Vendedor externo e representante comercial. Elementos diferenciadores

Antônia Maria de Castro Silva,

Resumo: O contrato do representante comercial tem características muito similares às do contrato de trabalho strito sensu (relação de emprego), inclusive impondo restrições à autonomia do representante comercial (arts. 28 e 29), o que pode, inclusive, afastar a possibilidade de reconhecimento de vínculo, quando presentes os demais requisitos do contrato de representação, em especial os do art. 27, mas essas imposições legais, dependendo do modo de como são exercidas, podem evidenciar subordinação jurídica própria da relação de emprego.

Doutrina e Jurisprudência se debatem em torno das diferenças entre a relação jurídica laboral do representação comercial e a do vendedor externo, porque as semelhanças entre ambas são tão próximas, que, por vezes, só é possível alguma distinção diante do caso concreto.

Efetivamente, o contrato do representante comercial, que é regulado pela Lei n. 4.886/65, com as alterações introduzidas pela Lei n. 8.420/92, tem características muito similares às do contrato de trabalho strito sensu (relação de emprego), havendo uma verdadeira zona cinzenta entre ambos, principalmente diante da situação de parasubordinação a que são submetidos os trabalhadores do primeiro contrato, que, nas lições de Vilma Dias Gil[1], são relações de trabalho que, embora sejam desenvolvidas com independência e sem a direção do destinatário do serviço, se inserem na organização deste, contribuindo para atingir o objeto social do empreendimento, tendo relação de natureza contínua, e, não raras vezes, têm caráter pessoal.

Entretanto mesmo com essa linha tênue não é impossível a distinção entre representante e empregado (o vendedor externo), a linha divisória é aferida através do grau de subordinação entre os contratantes, bem como pela presença ou ausência da alteridade, pois o trabalhador autônomo exerce sua atividade por sua conta e risco e o empregado o faz por conta e risco do tomador dos serviços.

É certo que o art. 29 da Lei 4.886/65 impõe restrições à autonomia do representante comercial, ao dispor que, mesmo sendo autônomo, “salvo autorização expressa, não poderá conceder abatimentos, descontos ou dilações, nem agir em desacordo com as instruções do representado”, bem como disciplina situações bem parecidas com a de subordinação jurídica do contrato de trabalho, no art. 28, quando assevera que o representante comercial “fica obrigado a fornecer ao representado, quando lhe for solicitado, informações detalhadas sobre o andamento dos negócios a seu cargo, devendo dedicar-se à representação, de modo a expandir os negócios do representado e promover os seus produtos”, o que poderia afastar a possibilidade de reconhecimento de vínculo, se presentes os demais requisitos do contrato de representação, previstos no art. 27, cuja redação é a seguinte:

Art. 27 - Do contrato de representação comercial, além dos elementos comuns e outros a juízo dos interessados, constarão, obrigatoriamente:

a) condições e requisitos gerais da representação;

b) indicação genérica ou específica dos produtos ou artigos objeto da representação;

c) prazo certo ou indeterminado da representação;

d) indicação da zona ou zonas em que será exercida a representação;

e) garantia ou não, parcial ou total, ou por certo prazo, da exclusividade de zona ou setor de zona;

f) retribuição e época do pagamento, pelo exercício da representação dependente da efetiva realização dos negócios e recebimento, ou não pelo representado, dos valores respectivos;

g) os casos em que se justifique a restrição de zona concedida com exclusividade;

h) obrigações e responsabilidades das partes contratantes;

i) exercício exclusivo ou não da representação a favor do representado;

j) indenização devida ao representante pela rescisão do contrato fora dos casos previstos no art. 35, cujo montante não poderá ser inferior a 1/12 (um doze avos) do total da retribuição auferida durante o tempo em que exerceu a representação.

Essas imposições legais, presentes em boa parte do trato executado entre as partes (aspectos que corroboram a caracterização da representação comercial em regime de colaboração dos envolvidos), dependendo do modo de como são exercidas, podem evidenciar subordinação jurídica própria da relação de emprego, sim. Por exemplo, se o trabalhador usar um lap top, fornecido pela reclamada; prestar contas todos os dias, mesmo que por e-mail; ter suas rotas definidas pelo empreendedor principal; com exclusividade na respectiva área, sob fiscalização e não trabalhar para mais ninguém, seguramente se vislumbra um grau de subordinação bem forte em tal labor, afinal, um profissional autônomo iria possuir seu próprio material de trabalho e não teria a obrigação de prestar contas todos os dias!

Aqui, cumpre dizer, que diante do avanço da tecnologia, é preciso ficar atento para não se afastar sempre a relação de emprego. Como se sabe, novos meios e métodos de execução de trabalho estão surgindo, a exemplo do teletrabalho (trabalho realizado à distância, predominantemente com a utilização de equipamentos como computadores, telefone fixo, celular ou telefax), em que se dispensa a presença do trabalhador nas instalações físicas do tomador dos serviços, havendo uma verdadeira flexibilização do tempo, meio e lugar da prestação do trabalho.

Diante dessa nova realidade, o poder diretivo do empregador também deve ser flexibilizado ou adaptado. A subordinação jurídica tradicional deve dar lugar à ‘telesubordinação’ ou ´teledisponibilidade’ - como já batizado por alguns esse novo fenômeno. Esse modo de execução de serviço não desnatura a relação de emprego. Equipamentos modernos também permitem, mesmo à distância, a conexão permanente do trabalhador com a empresa, até as pausas, descansos e horas de atividade podem ser determinados e controlados.  Nesse novo modelo, por exemplo, o fato do vendedor externo passar, por e-mail, relatórios diários de vendas à empresa supre a necessidade do comparecimento obrigatório dele na sede do empregador, sem que afete o conteúdo da subordinação jurídica típica do contrato de emprego.

Com essa lente, não é difícil vislumbrar a presença da subordinação jurídica na atividade desenvolvida pelo teletrabalhador. E isso ganha mais relevo se o trabalho for realizado por conta e risco do tomador, ou seja, analisando-se o requisito da alteridade.

Por outro dizer, se o trabalhador não assumir o risco do negócio, não participar do risco econômico, não possuir autonomia para tomar decisões, se, ao contrário, tudo for feito por ordem e em nome da empreendedora principal, seguramente se está diante de um autêntico contrato de emprego e não de um trabalhador autônomo, sendo irrelevante, na espécie, a possível existência de contrato formal de representação comercial, diante da prevalência do contrato realidade no Direito do Trabalho.

Assim, é necessário verificar se a realidade estampada na execução do contrato é compatível com a autonomia desfrutada por um autêntico representante comercial. Caso contrário, basta procurar os elementos caracterizadores da relação empregatícia (pessoa física, pessoalidade, onerosidade, não-eventualidade, subordinação jurídica e alteridade), previstos nos arts. 2º e 3º da CLT, para se descartar o contrato de representação comercial e chancelar o contrato de emprego. E, caso se esteja diante de um caso concreto em que se busque decidir por um dos dois, basta declarar a nulidade do primeiro e reconhecer a natureza do segundo, com fundamento no art. 9º, também da CLT.

Conclusão

O contrato do representante comercial tem características muito similares às do contrato de trabalho strito sensu (relação de emprego), inclusive impondo restrições à autonomia do representante comercial (arts. 28 e 29), o que pode, inclusive, afastar a possibilidade de reconhecimento de vínculo, quando presentes os demais requisitos do contrato de representação, em especial os do art. 27, mas essas imposições legais, dependendo do modo de como são exercidas, podem evidenciar subordinação jurídica própria da relação de emprego.

A linha divisória de ambos os contratos é aferida através do grau de subordinação entre os contratantes e pela presença ou ausência da alteridade, pois o trabalhador autônomo trabalha por sua conta e risco e o empregado o faz por conta e risco do tomador dos serviços. Se o obreiro não participar do risco econômico do empreendimento e se tudo for feito por ordem e em nome do empreendedor principal, ficará evidenciado que se trata de um autêntico contrato de emprego, sendo irrelevante a presença de contrato formal de representação comercial, porventura existente, por força do contrato realidade prevalente no Direito do Trabalho.


Nota:
[1] Vilma Dias B Gil. Advogada, consultora jurídica e professora da Universidade Mackenzie. Direito da minoria. Formas de trabalho são marginalizadas pelo Direito. Revista Consultor Jurídico, 17 de janeiro de 2007.   Disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/51970,1.

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